Beethoven: Concerto tríplice. Pensamentos noturnos


Sim, eu sei: deveria estar dormindo. Cheguei na Itália, vindo do Brasil, na tarde desta segunda feira, e duas horas depois estava já ensaiando com os solistas e o regente do Concerto tríplice. Agora são as duas e meia da madrugada, e embora amanhã (hoje!!!) Tenha um ensaio longo com orquestra e o concerto a noite, estou aqui meditando sobre esta obra, já definida por muitos como “menor” na produção do gênio de Bonn.

Discordo.

Curiosamente, nessas últimas semanas, convivi com três obras de Beethoven muito próximas cronologicamente: o Quarteto op. 59 n. 2, tocado com meu Quarteto Osesp na Sala São Paulo ( https://youtu.be/YLeudM3HK7M ), a Sinfonia “Eroica”, que embora não teve minha participação ativa no palco, ecoava o dia todo pelos corredores da Sala, e o Concerto tríplice, que voltei a estudar no início do ano para esta apresentação que será justamente hoje, em minha cidade natal: Trieste.

As obras do primeiro período, mais ligadas estruturalmente á linguagem clássica e aos exemplos de Haydn e Mozart, são distantes. Não no tempo, pois muitos poucos anos se passaram, mas no conceito e no caminho que Beethoven está buscando.

Já no início do primeiro movimento do Concerto tríplice, assim como no Quarteto op. 59/2, os silêncios tornam-se parte integrante de um tema que não quer se afirmar: temos uma frase, curta e sem ornamentos, quase fria… E o silêncio. Mais uma vez a frase que ganha um pouco de coragem, mas que mais uma vez é bruscamente interrompida por uma pausa. E assim continua por mais algumas tentativas falidas de se desenvolver em um discurso. Mas quando o tema verdadeiro em toda sua forma ampla e majestosa aparece, entendemos a força que ganhou, graças a um início tão inusitado.

Os temas são quase sempre introduzidos pelo violoncelo, que certamente tem o papel principal e o mais árduo e desafiador, e que presente para os violoncelistas, que não ganharam um Concerto para seu instrumento escrito por Beethoven mas que suscitam as invejas (das boas!) dos violinistas e dos pianistas ao tocar o canto livre que abre o segundo movimento. O que é esta jóia de movimento? Um oase de paz, de serenidade, e por uma vez a expressão fechada dos retratos que conhecemos de Beethoven esboça um sorriso sem drama.

Também genial a maneira como do segundo movimento se passa sem interrupção a um terceiro que é pura felicidade, que encerra brilhantemente um dos Concertos mais serenos e líricos que Beethoven escreveu. Aliás, será que os que consideram “menor” uma obra como essa não a julgam assim só porque não corresponde àquele caráter que o tempo e a superficialidade definiu como “o” caráter único da música de Beethoven? Mas eu acho que em Beethoven não tem só o drama, o destino, os ímpetos revolucionários, as lutas internas e externas, mas existe também a humanidade, a ironia, e também uma leve simplicidade quase infantil.

Toquei várias vezes este Concerto, no Brasil e na Itália, e da última vez foi no cenário inesquecível do Duomo de Verona ( https://youtu.be/Nkh7bRWdKz8 ), mas confesso que o concerto de hoje terá uma humanidade especial, porque o violoncelista é uma das pessoas e dos músicos mais extraordinariamente genuínos que conheça, Massimo Macrí (chefe de naipe da Orchestra Sinfonica Nazionale della RAI de Torino), e o pianista será Luca Delle Donne, um jovem e talentoso pianista, com o qual já gravei as Sonatas de Schumann (logo será publicado o cd) e que conheço desde a adolescência quando estudava com meu pai. Como se não fosse suficiente, a Orquestra será formada inteiramente por jovens estudantes, e certamente a energia será muito especial.

Muito bem, preciso realmente tentar vencer esse jet-lag (são 5 horas de diferença com o Brasil nesta época) pois amanhã (hoje) o dia será bem intenso…

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