Se tudo começou em casa, sendo meus pais pianistas, e tendo música durante o dia todo ao redor de mim, e se a “chama” se acendeu naquele lar onde a música era uma linguagem tão natural quanto o italiano (e o dialeto triestino!), o papel de quem manteve acesa e até deu ainda mais oxigênio a essa chama foi desenvolvido ao longo do tempo por uma série de Artistas que cruzaram meu caminho e que imprimiram um marco indelével na minha mente e na minha alma de músico.
Começarei falando de Bruno Polli, um exigente e distinto violinista aposentado da Orquestra Filarmónica de Montecarlo, que com sua disciplina posso certamente dizer me mostrou logo de cara que a música não era uma brincadeira. Embora hoje a tendência seja ver todo tipo de “inicialização” como uma brincadeira, eu olho para trás eu vejo que minha inicialização foi o período de maior severidade e disciplina, já que a dupla formada por meu pai e o professor Polli era um monstro de sete cabeças. Desde logo essa abordagem me fez amar o lado profundo e menos “entretenido” da música, aquele que envolvia conquistas difíceis, lutas, cansaço e frustrações. Mas que felicidade quando chegava a conquista!
Corrado Romano, com quem estudei em Biella e em Genebra, foi um mestre de música e de vida. Ele transmitia poesia pelos olhos, pelas maneiras reservadas e elegantes, pelas poucas palavras bem medidas. Nunca um elogio (mas muitos falados em minha ausencia) e sempre apontando todo o caminho faltante. Ainda possuo partes anotadas com sua escrita trêmula, e ainda lembro de seu choro emocionado depois do Concerto de Schostakovich n. 1 que toquei acompanhado pela Orchestre de la Suisse Romande, e que encerrou meu período de estudos com ele em Genebra. No programa de concerto, ele escreveu para mim: “Schostakovich teria ficado orgulhoso de você”, mostrando mais uma vez sua timidez em exprimir SUAS emoções, e usando a “máscara” do compositor para proteger sua frágil sensibilidade.
Ruggiero Ricci, a lenda do violino virtuoso, me deu todas as ferramentas para enfrentar o palco, depois de uma vida passada tocando para as plateias do mundo todo. Uma pessoa simples e divertida, de bem com a vida e com tudo o que ela oferece. Suas gravações, suas aulas e os jantares na casa de Salzburgo ficarão sempre na minha memória.
Na música de Câmara, tive o privilégio de um contato prolongado com expoentes dos dois mais importantes grupos cameristicos italianos: o Trio di Trieste e o Quartetto Italiano. Com esses músicos profundos e extraordinários aprendi a cultura de uma civilização musical, e nunca como com eles cavei no fundo de peças aparentemente simples, para buscar os significados mais escondidos. Franco Rossi, violoncelista do Quarteto italiano, tinha sido amigo pessoal de Furtwaengler e de muitos dos maiores músicos da primeira metade do séc. 20. Mesma coisa para o Trio di Trieste. A música de câmara como exemplo de democracia, de convivência de diversos, de tolerância e de esforços conjuntos para alcançar um mesmo objetivo. Isso e muito mais me foi doado por esses heróis.
Mais recentemente, na regência, a generosidade desinteressada de Isaac Karabtchevsky e de Frank Shipway me levaram a novos horizontes. Analisar as grandes partituras sinfonicas foi uma etapa que enriqueceu ainda mais meu mundo musical. E analisa-las com esses mestres, foi um marco em minha vida musical.
Se eu sou um músico digno (talvez) deste nome, é graças a eles, e graças aos meus professores eternos: meus pais. Portanto, acredito que é um dever começar este blog com uma homenagem, ainda que muito limitada e parcial, a esses grandes Artistas, que moldaram o mundo musical ao meu redor, me mostrando alguns caminhos, e sobre tudo sendo exemplos inesquecíveis. E no meu caminho de músico, em cada passo existe um pouco de cada um deles.
Obrigado.
Começa muito bem! O que há de mais importante do que aqueles que abriram o caminho para que o percorrêssemos? Bravo.
Lindo, maravilhoso texto! Que belo início. Bravissimo!!!
Apreciado Mestre Baldini.
O Senhor escreveu este belo texto com o coração repleto de gratidão por seus preceptores.
Um privilégio ler suas memórias musicais.
Eu estava na plateia em Cuiabá (MT) quando o Sr tocou o concerto para violino e orquestra de Samuel Barber.
Naquela noite ao sair do Cine Teatro Cuiabá pensei como seria bom conhecer mais de sua nobre arte musical.
Com estima.
Prof. Dr. Ney Arruda (UFMT)