Audições

É saudavel, de vez em quando, escrever alguns conceitos que parecem óbvios mas que são as vezes esquecidos, ou pelo “calor do momento”, ou porque é cómodo fingir de esquece-los.Vamos começar assumindo algo: fazer uma audição para entrar numa orquestra, ou um concurso de solista ou um teste para obter uma bolsa em algum festival, é uma porcaria. O fazer música, por quanto possa ser duro e trazer muito nervosismo na hora de entrar no palco, nada tem a ver com o fato de ter que tocar numa situação em que ninguém está escutando para deixar envolver-se pela música. Sim, pois todos estão lá para julgar (banca) ou para receber um julgamento (candidato).Uma apresentação pública TAMBÉM possui uma porcentagem de pessoas que estão lá para criticar, para contar os erros, para julgar. Mas cada músico sabe que essas pessoas pertencem a uma minoria infeliz. Na quase totalidade dos casos ignorantes sobre o assunto, frustrados que precisam se enhaltecer rebaixando os outros. Contudo, grande parte do público é de genuínos apreciadores e amantes da música, assim o intérprete pode concentrar-se e fazer música para aqueles que realmente querem ouvi-la.Num teste, não. Infelizmente a banca está OBRIGADA a emitir um veredito, e o candidato sabe disso.Não há dúvida que, num País onde a corrupção anda solta em todos os níveis, existam situações pouco corretas. Mas, pelo menos na música, parece-me que essas situações se limitam a instituições de pouca importância, e que agindo assim, são destinadas a permanecer de pouca importância: uma orquestra ou um músico, não têm como “mentir”, pois sua qualidade está em jogo sempre, todo dia, a cada novo concerto público. Assim, se uma orquestra fizer algo pouco correto durante audições para novos músicos, estaria se auto-condenando a um futuro medíocre. Não há outra forma de manter o nível de uma orquestra que permanecendo extremamente rigorosos na hora de escolher novos músicos. Da mesma forma, num concurso para jovens solistas, por exemplo, não faria algum sentido escolher alguém que depois fizesse uma performance constrangedora, pois o constrangimento seria não só o dele, mas o da orquestra toda, que o escolheu.Mesmo assim, permanecem (e sempre permanecerão) muitos boatos a respeito de bancas de importantes concursos. E de nada adianta usar o biombo para não ter ideia de quem está tocando. Nem adianta que na fase final, um professor de um dos candidatos ( que eventualmente esteja na banca ) se abstenha de votar. Nem adianta que a banca seja formada por uma dúzia de músicos entre os mais respeitados do País, de diferentes instrumentos, e que as vezes, entre eles, os relacionamentos não sejam dos melhores possíveis.Recentemente, tive uns problemas com um meu ex aluno (hoje já profissional) que reclamou do resultado de um concurso em que na banca estavam presentes 12 grandes músicos. O paradoxo disso é que se por acaso ele tivesse passado, naturalmente vozes de grandes “defensores da Justiça e da Verdade” se levantariam contra o “ex-aluno que ganhou etc etc”. Só que… não passou, e quem se irritou foi ele. Não tem paz para o pobre julgador.A verdade é que na música não existem (quase) parâmetros fixos. Se é relativamente fácil dizer “fulano toca afinado”, ou “tem bom ritmo”, as coisas complicam quando abordamos conceitos como “qualidade sonora”, “fraseado”, “estilo”, “articulação”. Ainda mais difícil definir uma “visão musical”…Esses elementos aleatórios, próprios da arte (de qualquer arte), indicam uma dificuldade objetiva de julgar um artista de uma forma absoluta. Isto é: o julgamento, uma vez que se esgotam aqueles elementos claramente identificáveis (afinação, ritmo etc) é absolutamente subjetivo. É ISSO que as vezes muitos não conseguem entender.Quase nunca ganha “o melhor”. Primeiro porque em Arte não existe “o melhor”, segundo porque o resultado será sempre a somatória de uma série de preferencias subjetivas dos membros da banca.O resultado de um concurso artístico, será SEMPRE imperfeito, mas ao mesmo tempo será sempre perfeito, pois é uma preferência clara DAQUELA banca, NAQUELA ocasião.Termino com um conselho aos meus colegas mais jovens, sem querer dar uma de “mestre” mas compartilhando um pouco da minha experiência: eu perdi muito mais de quanto ganhei. Perdi com meu professor na banca, perdi sem professor na banca, e se um dia comecei a ganhar algo (pouca coisa), foi só porque meu pai, lá atrás, me ensinou que em qualquer derrota há um responsável só: eu mesmo.

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